
Um fato inédito na história preocupa e entristece: pela primeira vez os registros de ansiedade entre crianças e jovens aumentam assustadoramente. Cresce a cada dia o número de jovens que se mutilam. A automutilação atinge adolescentes no Brasil e no mundo. Pesquisas indicam que 20% dos jovens sofrem desse mal. Além disso, em nosso país, as taxas de suicídio cresceram na população em geral. O suicídio é, hoje, a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil.
Neste cenário, o celular é apontado como o grande vilão, entretanto, cabe uma pausa para refletirmos a respeito, tendo em vista que a evolução tecnológica avança avassaladoramente, mas os aparelhos eletrônicos sozinhos não conduzem ou direcionam a educação de uma criança.
Por trás dos aparelhos existem os adultos, nós que permitimos ao “vilão” ocupar tamanho espaço na mecânica do cotidiano infantil.
Especialistas de diversas áreas orientam quando oferecer o celular a uma criança, o tempo de tela adequado a cada idade, entre inúmeros outros pontos importantes, mas cá para nós, na prática é quase impossível proibir o bebê curioso de pegar aquele “brinquedo” luminoso e sonoro da mão da mamãe ou deixar a criança maior desvinculada da rede digital de amigos, dos jogos, conversas e produções de vídeos rápidos.
O maior desafio é conseguir atrelar as tecnologias a uma rotina saudável. Somente proibir o celular, sem oferecer outras possibilidades, sem dar a chance da criança explorar e conhecer o mundo por diferentes nuances e perspectivas, não vai amenizar o problema.
Há uma carência do brincar, da brincadeira, do jogo, da ludicidade. Cedo demais as crianças são exigidas, cobradas, pressionadas para que demonstrem um comportamento que a maioria dos adultos não consegue ter.
Há uma carência de relações afetuosas, de tempo junto às famílias, ouvindo histórias, desenhando em conjunto, cantando, dançando, cozinhando…
Há uma enorme lacuna entre o que vemos nas telas e o que vivemos em nossos lares. Entre o sonho e a realidade. Entre o eu e o mundo. Há uma carência em sentir alegria na simplicidade da vida.
O que todos buscamos viver é o equilíbrio. Independente do celular, há uma dificuldade em educar sem “transbordar” a permissividade exagerada ou a repressão excessiva. Qual é o caminho do meio?
Como não existem receitas em educação nos cabe encarar os fatos, refletir sobre eles e compreender a importância da educação socioemocional.
Queremos crianças concentradas, mas poucos adultos vão ler esse artigo até o final. A falta de concentração, de paciência, de tempo para reflexão é apenas um eixo neste complexo universo humano vivente no século XXI.
Identificar e gerenciar as próprias emoções e sentimentos é uma capacidade, uma competência que engloba várias habilidades a serem desenvolvidas e potencializadas. Logo, está dentro de nós a possibilidade de manter um equilíbrio emocional e assim olhar a vida de maneira diferente, com olhos mais amorosos e menos ansiosos, mais curiosos e menos egoístas, mais criativos e menos reprodutores, mais reflexivos e menos influenciáveis.
Começar este processo de autoconhecimento e alfabetização emocional na primeira infância é o maior e melhor presente que um adulto pode oferecer a uma criança. É presente raro, mais caro que celular de última geração.
É urgente refletirmos sobre as emoções e como elas influenciam o nosso cotidiano.
Perseverança, resiliência, determinação, colaboração, autocontrole, empatia, curiosidade, otimismo e confiança são algumas das habilidades socioemocionais possíveis de serem desenvolvidas.
As habilidades socioemocionais levam em consideração como o indivíduo consegue identificar e gerenciar suas emoções quando precisa tomar decisões intrapessoais e interpessoais. É, portanto, uma capacidade reflexiva de lidar com as emoções e os sentimentos, a qual potencializa características ímpares do seu eu nas relações com o outro.
Educar emocionalmente implica em fortalecer o indivíduo, resgatar valores, o senso de respeito, de solidariedade e responsabilidade. Assim sendo, o simples fato de proibir o celular não educa, não ensina, ao contrário, pode até produzir o efeito reverso. A grande preocupação deveria ser ensinar a usar o aparelho, mas como fazer isso se nem os adultos sabem?
Em “tempo líquido”, metáfora de Bauman, a qual peço licença para utilizar, só provoca a mudança aqueles quem têm coragem e “mergulham” fundo.
Paty Fonte é Filósofa, especialista em Pedagogia das Infâncias e Pedagogia de Projetos. Escritora, entre os livros lançados estão “Competências Socioemocionais na Escola” e “Práticas Socioemocionais para dinamizar o ambiente escolar”, publicados pela Wak Editora. Consultora Educacional e Palestrante.
Contato: IG: @professorapatyfonte

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