‘Livros que Bebem da Eternidade’, poema do autor moçambicano Leonel Evaristo Chongola

Entre os mortos, os livros se levantam,
Páginas vivas entre cinzas frias,
Enquanto as mãos se calam, eles cantam
Histórias que vencem noites e vigias.
Feridos tombam corpos pelas vias,
Mas livros guardam chagas que encantam,
Versos que sangram lúgubres poesias
E almas que, ao ler, enfim se espantam.
Não há fogueira que os reduza ao nada,
Nem ditador que apague a sua tinta,
Pois cada letra é flecha envenenada.
São vinho escuro, taça que não finda:
Entre os escombros, brota a madrugada—
Os livros bebem vida onde há tinta.
Cai o soldado, o grito se desfaz,
As ruas rangem sob o som do pranto,
Mas entre os restos, há um livro intacto:
Sua capa suja, o verbo ainda em paz.
Entre feridos, pulsa e não se esvaz,
Guarda a memória em seu silêncio santo,
E mesmo só, resiste ao ódio franco,
Como quem vela o que ninguém mais traz.
Bebem do livro os olhos que acordaram,
E ali renascem nomes esquecidos,
Povos sem voz que as páginas gritaram.
Livros não morrem — mesmo entre ruídos,
Eles se erguem quando os que oprimem param:
São os eternos filhos dos caídos.
Há livros que respiram, quase amantes,
De capa em brasa e carne encadernada,
Que ao se abrirem, tremem, provocantes,
Como se fossem boca enfeitiçada.
Sussurram segredos em línguas errantes,
Rasgando o ar com alma iluminada,
E ao serem lidos por olhos amantes,
Tornam-se corpo, suor, palavra alada.
Mesmo entre mortos, ardem, vivos, nus.
Livros são santos, demônios, orixás,
São vinho antigo a jorrar de uma cruz.
E o leitor, que os devora em noites más,
Descobre ao fim — sob letras e luz —
Que os livros têm pele, desejo e paz.

Foto divulgação: escritor Leonel Evaristo Chongola

Leonel Evaristo Chongola é natural de Inhambane, Moçambique. Apaixonado pela palavra desde jovem, Leonel é um amante da poesia. Encontra na escrita poética não apenas um refúgio, mas também um espelho e uma arma — uma forma de resistência, de expressão íntima e de diálogo com o mundo. A poesia, para ele, não é apenas passatempo: é casa, chão e horizonte.

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