
Uma tela de um celular brilha na estação de metrô enquanto o sol é ignorado. Este é o dia a dia dos brasileiros que vivem nas telas dos smartphones. Mas quando o assunto é democratizar a arte, nem todos os artistas chegam num consenso. A aceitação da propagação da arte através das redes sociais ainda é controversa entre seus criadores e o público.
Conversei com o filósofo Victor Meirelles e o escritor Rodrigo Tramonte para discutir sobre a democratização da arte através do Instagram e da influência dos algoritmos em suas criações. Com as mesmas perguntas para os dois entrevistados, o debate artístico-digital mostra divergências e consensos ainda não definidos.
1. O Instagram divide opiniões quando o assunto é arte. Como você enxerga essa ferramenta para os artistas?
VM: Bem, como você bem disse, risos, divide sim opiniões, em uma plataforma que condiciona uma produção em massa de conteúdo, que promove entre seus usuários uma cultura de rítmica acelerada do fazer e de ser viver a publicidade e que acaba em te fazer viver uma exposição “constante”, exercitando exacerbadamente uma competição-disputa social virtual nas redes. Onde constitui novas formas de medir o dito poder e sucesso que o “capetalismo” tanto nos prega, onde o melhor é aquele que tem mais seguidores, curtidas, compartilhamentos.
E nesse caminho de produção enlouquecida de conteúdo, vai se perdendo, ou melhor vai se confundindo o sentido, conceito, valor e função da arte, da obra de arte no contexto social, mercadológico e de entretenimento. Fazendo ou trazendo uma ideia difusa que pode difundir outras opiniões e pensamentos do que é arte e do que são artistas. Mas como um artista e comunicador que sou, não posso me opor ao que de certa forma essa plataforma e suas ferramentas presta como benefícios, para artistas independentes, no início da carreira ou com longa trajetória e pouca oportunidade de exposição nas mídias, claro, (risos), tendo o carinho, a simpatia e a vontade dos algoritmos a seu favor, ela pode levar seu trabalho, obra de arte para milhões de pessoas e mudar o trânsito do seu trabalho em segundo. Mas ainda devo no cochicho chamar para refletir com atenção, sobre os algoritmos, eles são códigos que executam-conduzem-condicionam ações, códigos esse que são programados por um indivíduo que está no controle, nos controlando.
RT: Atualmente, ter um perfil no Instagram é inclusive um requisito obrigatório para quem é artista, tanto para divulgação do próprio trabalho pela Internet quanto para o contato e venda de produtos e serviços aos clientes.
2. Muito tem se falado sobre Inteligência Artificial e artistas reais. Como você enxerga esse debate?
VM: Olhar a IA como uma ferramenta tecnológica, que compõe, contribui no desenvolvimento e no contexto prático de uma produção artística, que provoque na finalização mais qualidade e beleza, é super válida e necessária. Agora, quando esta tecnologia é usada para substituir um artista em seu ofício, seja na televisão, cinema ou publicidade em produções audiovisuais ou em voz, é algo que embola bastante as relações econômicas, sociais e artísticas, dando um nó. E como qualquer relação, ela tem efeitos e por esse sentido a navegar, os impactos são negativos para os profissionais que vão ter cada vez menos oferta de trabalho, e daí por diante. Pois nesta correnteza “capetalista” que nos carrega, o que os empresários querem é sempre mais lucro e menos despesas. E por esse caminho que eles correm é para que possam usar personagem em IA nas suas produções artísticas com mínimo de custo ou custo zero.
Mas se debruçando e olhando por outro lado, a base de dados das IAs partiu do humano e a questão que levanto é: essas pessoas têm seus direitos autorais, intelectuais, artísticos minimamente garantidos?
RT: Assim como a invenção da TV não matou o cinema e o rádio, e a invenção dos softwares de arte digital não matou a pintura em tela e o desenho feito a mão, a IA não irá matar a arte tradicional, ela apenas irá obrigar os artistas a se atualizarem e se adaptarem ao avanço da tecnologia. Novos recursos como o ChatGPT e os apps de imagens com IA poderão ser usados para criar protótipos de roteiros e ilustrações, por exemplo.
3. O Instagram entrega arte? Qual é a sua visão acerca disso?
VM: Sim, entrega, mas pode ser que não entregue. Dentre essa lógica de controle e essas formas de processamento que a plataforma tem como resultado-missão de promover em seu usuário uma sensação de satisfação, de bem estar, de estar em um ambiente onde ele tem tudo que quer, a partir da entrega de conteúdos dentro do campo de interesse, que ela de alguma forma a partir das análises, seja por uma curtida sua ou por segundos a mais da postagem na tela, ela, monta um cardápio de temas e assuntos que o usuário tem como gosto e que o atrai. E é nesse sentido que digo que pode ser que um usuário tenha meu conteúdo de arte entregue ou não. Caso eu não esteja nesse cardápio, se nós não estivermos conectados, a possível certeza é que ele nunca tenha entregue meu conteúdo de arte. E a minha visão para que isso não aconteça é pedir a você que me lê, me siga e compartilhe meu conteúdo para chegar nessas pessoas, @victormeirellesator.
RT: O Instagram não entrega arte, ele a divulga. O risco de se ter a própria arte utilizada como referência direta para as criações de terceiros não é um risco inteiramente novo, vide os inúmeros produtos e mascotes “bootleg” inspirados em personagens famosos da mídia norte-americana.
Apesar das diferenças, o universo da arte carrega o comum receio da substituição do artista em algum aspecto, seja por meio de fake news ou dos códigos da Inteligência Artificial. O constante avanço da ciência das mídias digitais diz como a globalização modifica o olhar dos artistas perante suas produções.


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