Jornal Atípico entrevista Paulo Siuves

Entre flautas, palavras e ações: um encontro com Paulo Siuves

Paulo Siuves é desses nomes que resistem às caixinhas. Flautista, escritor, servidor público, curador, colunista e, acima de tudo, um sujeito múltiplo, como ele mesmo se define, com riso no canto da voz e metáforas que transitam entre o real e o simbólico. Nascido em Contagem e radicado em Belo Horizonte, onde atua na Guarda Civil Municipal desde 2006, ele construiu uma carreira onde a música, a literatura e o serviço à coletividade não são trilhas paralelas, mas vias que se entrelaçam.

Com passagem marcante pela Banda de Música da GCM-BH onde atuou como músico, ensinou e ajudou a organizar projetos com impacto social e educativo, Paulo também se lançou em muitas outras frentes. É presidente da Academia Mineira de Belas Artes, colunista de jornais de prestígio como o Clarín Brasil e o Cultural ROL, articulador de saraus e curador de exposições artísticas. Na escrita, seu repertório vai de romances como O Oráculo de Greg Hobsbawn à poesia intimista e musical de Sonetos e Canções.

Mais do que títulos e cargos, sua força está em fazer pontes: entre a música e a literatura, entre o poder público e a cultura de paz, entre as raízes familiares e a inquietação existencial que marca sua obra. Paulo é cristão por convicção, mas sem rigidez dogmática. É avô emocionado, pai dedicado, e alguém que não teme admitir: há versos seus que ele mesmo não reconhece de memória, mas reconhece de alma.

Nesta conversa com o Jornal Atípico, Paulo nos convida a conhecer as margens que o formam a verdejante e a árida, e nos lembra que, às vezes, a simplicidade é mesmo a forma mais poderosa de transcendência.

Jornal Atípico (JA): Olá, Paulo! Para iniciar, conte-nos sobre sua trajetória: você nasceu em Contagem, cresceu tocando violão aos 13 anos com seu irmão, e hoje é flautista, escritor e servidor público. Como foi esse percurso de formação artística e literária?


Paulo Siuves (PS): As pessoas geralmente se encantam com músicos versáteis, e talvez esperem, ao me conhecer, encontrar um desses virtuoses. Mas a verdade é que sou bem comum. Toco meu violão, erro as letras, às vezes troco os acordes (risos), e encontro alegria exatamente nessa normalidade. Comecei na música dentro de uma igreja evangélica e, aos 19 anos, já estava tocando na noite belorizontina. Fui roadie do meu primo baterista, toquei em bandas de baile, depois em banda de axé. Quando entrei na GCM-BH e passei a integrar a banda da instituição, precisei deixar os shows, porque os horários não combinavam. Mas tudo isso construiu minha formação.

(JA): R: Você mantém um compromisso firme com a música dentro da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, além de coordenar projetos na Banda de Música desde 2006. O que representa essa atuação para você, enquanto músico e cidadão?

(PS): Em maio de 2025 me transferi para a Inspetoria de Ações Preventivas, onde passei a atuar com a inspetora Abigail. Antes disso, enquanto estive na banda da GCM-BH, vivi um período extremamente rico. Aprendi demais. Contribuí com diversas frentes, incluindo a publicação de um artigo intitulado “Banda de Música e Prevenção Humanitária: Música e Segurança na Vida da Cidade”. Nesse texto, mostro que uma banda de música em uma instituição de segurança pública não está ali apenas para entreter — ela cumpre um papel de segurança social, educativo e cultural. Um dos últimos projetos que ajudei a instalar foi o Providência em Ação, que considero uma das ações mais significativas da GCMBH na regional Nordeste de BH. Hoje continuo trabalhando com projetos, mas agora dentro da INAP.

(JA): R: Em sua carreira literária, há uma produção muito variada: do romance O Oráculo de Greg Hobsbawn (2009) aos sonetos e canções de 2020, mais diversos projetos editoriais. Como você equilibra essas vertentes: música, poesia, romance, coordenação cultural?


(PS): Costumo dizer que sou múltiplo. Não sou apenas um homem — sou vários. Às vezes, reencontro textos antigos e penso: “Uau! Fui eu quem escreveu isso? Está muito bom!” (risos). E fico admirando, porque não sei nenhum poema meu de cor. Nem contos, nem histórias. Escrevi alguns textos infantis para um projeto que acabou não indo adiante, mas mesmo sendo breves, eu preciso relê-los para contar novamente. O que me move é ajudar outras pessoas a se realizarem. Não faço ideia de quantas já mencionaram meu nome ao contar o início de suas trajetórias literárias — e agora também artísticas. Em fevereiro, fui curador, junto à escritora Ester Silva, da exposição “Cores do Amanhecer”, com pinturas de Herivelton Silva e Helbert Santos. Herivelton, o “Chanceler das Artes Internacional”, é um artista consagrado e também escritor. Helbert, por outro lado, é clarinetista na banda da GCMBH e está dando seus primeiros passos na pintura. A junção dos dois foi potente — tradição e inovação se cruzando com beleza e coragem.

(JA): Você é colunista de jornais relevantes e preside a AMBA. Como vê o papel da palavra e da arte como instrumentos de afirmação?


(PS): É uma honra fazer parte dos jornais Cultural ROL e Clarín Brasil. O ROL, com mais de 30 anos, é um dos mais relevantes veículos de difusão poética online. É conduzido hoje por Sérgio Diniz, um editor de espírito elevado e humanidade exemplar. Se eu me alongar, acabo transformando esta entrevista numa biografia não autorizada do Sérgio (risos).

O Clarín Brasil tem um papel afetivo e político profundo na minha história. Trabalhei com o editor-chefe há muitos anos e nos tornamos grandes amigos. Ele é uma fonte inesgotável de reflexões sobre a história da humanidade e sobre a filosofia da vida. O Clarín surgiu num momento em que a comunidade negra de Belo Horizonte precisava enxergar e fazer brilhar as potências que já carregava. Ele chegou para reafirmar: pessoas negras podem — e devem — ocupar qualquer espaço. E há muitos exemplos que comprovam isso: nas artes, nos esportes, nas empresas, nos escritórios, nas universidades. Pessoas negras estão aí, brilhando, fazendo história.

A escravidão foi uma tragédia de dimensões incalculáveis, e o racismo estrutural é uma realidade que precisa ser combatida. Mas não podemos permitir que essa herança impeça nossos filhos e netos de sonhar e prosperar. O Clarín é uma trincheira nesse sentido: ele afirma, com todas as letras, que o lugar da pessoa negra não é no porão do navio — é no convés da Enterprise, no comando, no leme, onde quiser. É um jornal que inspira pertencimento, altivez e orgulho.

(JA): Você implementou e fortaleceu saraus poéticos em Belo Horizonte, atividades que impactam diretamente na cena cultural mineira. Que desafios e conquistas marcaram esse trabalho comunitário?


(PS): Acho de uma grandiosidade imensa quando um poeta sobe ao palco para declamar seu poema, para performar sua criação. Gosto de ver homens e mulheres se transformarem, viverem aquela breve epifania poética de cinco minutos. Durante esse tempo, eles trocam a máscara do cotidiano por uma máscara cultural — e, com ela, transmitem beleza, coragem, humanidade.

Criar o Sarau Feira de Poesias, no Centro Cultural Padre Eustáquio, e o Sarau Minas de Poesias, na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, não foi missão — foi honra. Dar à luz esses dois eventos foi como dar à luz a minha própria alma. É um ato de fé na palavra. Contribuir para a cultura de paz, fora do meu trabalho como agente da segurança pública, é um paradoxo bonito. E também uma escolha corajosa. Mas acima de tudo, é um privilégio que carrego com alegria.

(JA): No plano pessoal e familiar você é esposo, pai e avô. Recentemente publicou um poema em homenagem aos professores e um texto sobre os avós. Como essas referências de família e memória se materializam em sua poesia e em sua visão de vida?


(PS): Tudo isso se reflete na minha escrita. Como disse antes, sou um homem de margens opostas: uma verdejante e frondosa, outra árida e quase infértil. Tenho muito orgulho do que sou — e ao mesmo tempo, uma certa mágoa por não ter ido mais longe com minha poesia. Mas sou fruto da minha família. Tios, tias, avós… todos me moldaram.

Ser pai foi uma bênção sobrenatural. Mas ser avô… isso é uma experiência que me escapa em palavras. Cabe, sim, na poesia. Mas mesmo ali ela transborda. Tudo o que escrevo, mesmo quando parece simples, está cheio dessas presenças: da infância, da herança afetiva, da minha trajetória familiar. Talvez por isso, mesmo os versos mais simples ganhem força.

(JA): Há um discurso consistente em sua obra sobre fé e humanidade. Como a espiritualidade influencia sua arte e seu engajamento social?


(PS): A espiritualidade, pra mim, é uma coisa muito simples. E justamente por isso, é difícil de explicar. Sempre digo que sou cristão por falta de dinheiro (risos). Porque, se pudesse, teria viajado o mundo conhecendo as outras religiões — há milhares delas, e o cristianismo é só uma entre muitas. Dentro dele mesmo, já existem divisões suficientes para confundir qualquer teólogo.

O que me prende ao cristianismo é algo quase intuitivo: é onde nasci, cresci, fui acolhido. A espiritualidade está presente na minha arte como um fio invisível. Às vezes aparece com clareza, outras vezes apenas como pano de fundo. Não é pregação. É presença. E essa presença está em tudo que faço — na música, na literatura, no cuidado com as pessoas. É uma busca por sentido, e também por compaixão.

(JA): Por fim, olhando para o futuro: que novos projetos literários, musicais ou culturais você planeja? Como desenha os próximos cinco anos de Paulo Siuves?


(PS): Não sei se consigo desenhar os próximos cinco anos, mas tenho feito rascunhos — e isso já me anima. Estou finalizando um romance chamado A Notícia, que me exige muito. É uma história densa, familiar, com camadas de mistério, crime e afetos mal resolvidos. Não quero apenas entregar um enredo bem amarrado, mas provocar perguntas. Fazer o leitor parar.

Também tenho escrito mais poesia, ensaiado novos saraus, e me aventurado na curadoria artística com muito entusiasmo. Participar da construção de espaços de voz e visibilidade para outros artistas — especialmente os iniciantes — tem sido algo que me realiza imensamente.

No campo institucional, quero continuar colaborando com a GCM-BH e a Inspetoria de Ações Preventivas, unindo segurança e cidadania com cultura e arte, como sempre acreditei ser possível. E, claro, quero estar mais com a minha família. Com minha filha, com meu neto, com as pessoas que me conhecem fora da palavra escrita.

Se daqui a cinco anos eu estiver ainda escrevendo, ajudando outros a escreverem, ouvindo música com o coração aberto e oferecendo a minha escuta a quem precisa — então terei cumprido mais um trecho bonito da caminhada.

6 Comentários

  1. Agradecimento à Redação do Jornal Atípico

    Gostaria de expressar minha gratidão à equipe do Jornal Atípico pela generosa oportunidade de compartilhar um pouco da minha trajetória nesta entrevista tão sensível e bem conduzida. Fui acolhido com respeito, escutado com atenção e retratado com palavras que traduzem não apenas minha atuação profissional e artística, mas também meus afetos, dilemas e esperanças.

    A vocês, que ousam fazer jornalismo com escuta e afeto, meu muito obrigado. Que o Atípico siga sendo esse espaço necessário — de pensamento livre, de vozes plurais e de narrativas que inspiram.

    Com estima,
    Paulo Siuves

  2. Grande figura nosso músico Paulo, onde eu o chamo com muito respeito de “professor “, não só pela sua musicalidade, mas por ser exemplo para mim.

  3. Meu amigo e irmão azul marinho… Muito orgulho de te conhecer e poder desfrutar de seus textos e de sua sabedoria… Parabéns 👏👏👏

  4. Mais uma vez PARABÉNS Paulo Siúves!
    Suas palavras, sua história e seus feitos são verdadeiros exemplos de transformação e inspiração.
    Grande abraço do seu irmão…

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