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No cenário político brasileiro contemporâneo, é notável a crescente ontologia do medo partidário, marcada pelo receio em assumir uma posição política clara em meio a um ambiente crescentemente polarizado. Este medo se manifesta como uma espécie de “aversão à definição”, uma hesitação existencial diante da escolha política, frequentemente interpretada como rótulo ou adesão cega.

Em um contexto onde o bipartidarismo informal — simbolizado principalmente pela oposição entre lulismo e bolsonarismo — domina o debate público, a identificação com qualquer um dos lados é frequentemente tratada como um ato de rendição intelectual ou moral.

Segundo o filósofo Zygmunt Bauman, “a modernidade líquida dissolve as identidades rígidas” — e, no Brasil, a fluidez da identidade política é atravessada por um medo real de ser rotulado e rejeitado. Tal medo reflete um fenômeno que Pierre Bourdieu chamou de “violência simbólica”: a imposição de um discurso dominante que deslegitima a pluralidade. Assumir um lado político, mesmo que criticamente, é muitas vezes visto como um erro moral ou um risco social. Assim, muitos optam por um “centrismo confortável”, que, na prática, pouco contribui para o debate democrático.

A politóloga Wendy Brown alerta para os perigos da despolitização, onde o medo de confrontos ideológicos enfraquece a democracia. No Brasil, isso se traduz em uma busca por “neutralidade” que, na verdade, reforça o status quo e evita a responsabilidade política. O filósofo Michel Foucault já dizia que “onde há poder, há resistência” — mas quando o medo cala as posições, a resistência também se enfraquece.

O bipartidarismo, embora não oficial no sistema eleitoral brasileiro, se impôs na prática do debate político, criando dicotomias simplistas que rejeitam nuances. Assumir uma posição se tornou, para muitos, um fardo emocional e social. A filósofa Hannah Arendt enfatizava que “o maior inimigo da verdade não é a mentira deliberada, mas a banalidade do mal” — e a recusa em se posicionar diante de injustiças e autoritarismos pode ser, sim, uma forma de cumplicidade.

Portanto, é urgente pensar esse medo não como uma falha individual, mas como um sintoma estrutural de um sistema que criminaliza a política como campo de disputas legítimas. Superar esse medo é fundamental para construir uma cidadania ativa e consciente, capaz de lidar com a complexidade, o conflito e a responsabilidade ética da escolha política.

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