O Brasil vive um curioso espetáculo político: o surgimento de uma “direita chorona”. Ela se apresenta como paladina da moral, defensora dos bons costumes e vítima de uma conspiração imaginária.
Grita contra o “sistema”, mas depende dele para existir; acusa o comunismo inexistente, mas não sobrevive sem o inimigo que inventa.
Sua força não está nas ideias, mas na capacidade de dramatizar o próprio ressentimento.
Nietzsche já dizia que o ressentimento é a força dos fracos moralmente: aqueles que, incapazes de criar valores, preferem transformar sua impotência em moral.
A direita chorona brasileira é filha legítima desse ressentimento.
Não pensa, reage; não propõe, denuncia.
Seu discurso é uma constante vitimização: o STF os persegue, a imprensa os censura, as universidades os ridicularizam, e o mundo estaria contra eles porque “falam a verdade”.
O problema é que, na verdade, não há coragem em suas lágrimas. Há cálculo. A vitimização virou instrumento político.
O choro é método.
Nikolas Ferreira, com seu teatro adolescente de “perseguido por ser cristão”, faz do vitimismo uma performance para as redes — um stand-up moralista em nome de Deus e do algoritmo.
Sua fragilidade é o espetáculo; sua fraqueza, a mercadoria.
Sóstenes Cavalcanti e seus sermões parlamentares seguem o mesmo roteiro: a retórica de que o Brasil sofre um ataque à fé e à família serve como escudo retórico para um projeto de poder autoritário e profundamente antidemocrático.
A Bíblia, nesse contexto, é usada não como texto sagrado, mas como panfleto de guerra cultural.
O filósofo Max Scheler descreveu o ressentimento como “uma autointoxicação da alma”.
No caso brasileiro, essa intoxicação moral se converteu em estética política.
Zé Trovão, por exemplo, transformou a figura do caminhoneiro em símbolo da revolta moralista contra as “elites globais”.
O caminhão virou púlpito e o microfone virou megafone da ignorância travestida de bravura.
Mas o bolsonarismo levou essa lógica a outro nível. Sob o mito do homem simples e do “Deus acima de todos”, criou-se um movimento que se diz oprimido enquanto oprime; que grita por liberdade enquanto pede censura; que exige respeito enquanto debocha da dor alheia.
A direita chorona vive de paradoxos: se diz patriota, mas despreza as instituições; diz defender a família, mas idolatra o ódio; prega meritocracia, mas culpa o Estado por tudo.
O bolsonarismo é, no fundo, uma seita emocional — uma espécie de religião do ressentimento, em que a fé substitui o pensamento e o grito toma o lugar do argumento.
Foucault já advertia que o poder não se impõe apenas pela repressão, mas pelo discurso.
A direita chorona compreendeu isso.
Criou uma gramática emocional que mobiliza medo, raiva e nostalgia.
As lágrimas de Nikolas Ferreira e os berros de Zé Trovão são instrumentos de poder.
Eles fabricam a ilusão de que são vítimas do sistema, quando, na verdade, vivem dele e para ele.
O filósofo francês Guy Debord chamaria isso de “sociedade do espetáculo”: uma política que não se mede por ideias, mas por performance.
A direita chorona não quer governar; quer aparecer
Não quer convencer; quer viralizar.
Vive de lacres e de curtidas, de vídeos editados e de memes que confirmam suas próprias ilusões.
Enquanto isso, a esquerda que eles dizem combater já não é seu inimigo real — é apenas o espantalho que justifica sua existência.
Sem o “petista”, sem o “globalista”, sem o “comunista”, o bolsonarismo desmorona, porque perderia sua narrativa de guerra santa.
Hannah Arendt ensinou que o mal político floresce quando as pessoas renunciam a pensar.
É o que vemos no bolsonarismo: uma multidão que terceiriza a responsabilidade moral em nome de líderes que se dizem “homens de bem”.
Mas a coragem de verdade não está em se dizer perseguido; está em enfrentar a própria ignorância.
A direita chorona não enfrenta — dramatiza.
Seu choro é o disfarce da covardia.
Quando gritam “liberdade de expressão!”, o que querem é licença para o preconceito.
Quando choram censura, pedem impunidade. Quando se dizem defensores da pátria, buscam poder pessoal.
O filósofo italiano Umberto Eco, ao analisar o fascismo, alertou para o perigo do “populismo qualitativo”: quando o líder se diz representante direto do povo e transforma qualquer crítica em ataque à nação.
O bolsonarismo é isso em sua versão tropical — uma ópera bufa da moral conservadora, onde cada lágrima serve para esconder o autoritarismo.
Em tempos de política lacrimosa, a filosofia é um ato de desobediência.
Pensar é o oposto de vitimizar-se.
É encarar a realidade sem filtros, sem manuais sagrados e sem a infantilidade dos que acham que o mundo os deve proteger de qualquer desconforto.
Nietzsche diria que o verdadeiro espírito livre é aquele que ri de si mesmo — algo impossível para quem vive de ressentimento
A direita chorona é incapaz de rir. Ela se leva a sério demais, como todo moralista inseguro.
Sua tragédia é confundir fragilidade com fé, e covardia com virtude.
No fim, o que há não é direita nem conservadorismo — é um movimento de carência existencial transformado em ideologia.
O bolsonarismo não é ideologia política, é psicologia de massa.
É o culto à lágrima como argumento, à vitimização como identidade e à ignorância como escudo moral.
O Brasil precisa aprender a diferenciar a direita que pensa da direita que chora. A primeira pode contribuir com o debate democrático; a segunda apenas o paralisa.
A política não pode continuar refém de quem confunde fé com fanatismo e patriotismo com idolatria.
A direita chorona é o espelho de uma sociedade que ainda teme crescer: prefere o berro à razão, a emoção à reflexão, o ressentimento à responsabilidade.
Mas como diria Nietzsche, “o que não nos mata, nos torna mais fortes” — e talvez seja preciso suportar o choro para, enfim, amadurecer o país.

