No Brasil, a responsabilidade é tratada como um fardo que se joga no colo do outro — do Estado, do vizinho, de Deus, ou, mais recentemente, do algoritmo.
Desde o “jeitinho brasileiro”, que Gilberto Freyre apontava como manifestação da flexibilidade cultural, até a completa normalização da impunidade institucional, formamos uma sociedade que se esquiva de assumir suas falhas com a destreza de um acrobata.
O brasileiro médio parece mais preocupado em sobreviver à segunda-feira do que em construir qualquer tipo de consciência cívica. Afinal, como ironizou Nelson Rodrigues, “subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos”.
Vivemos num país onde Joaquim Nabuco já alertava que a escravidão não acabou — apenas se reinventou. A herança de uma elite patrimonialista, herdada da colônia e atualizada na república das rachadinhas, moldou uma sociedade que enxerga o Estado como máquina de favores, e não como estrutura de responsabilidade coletiva.
Getúlio se matou em nome do povo; o povo hoje mata o tempo enquanto o país arde.
A moral pública tornou-se um espetáculo, onde os corruptos se revezam no palco com os hipócritas, e todos aplaudem no final — porque ninguém quer sair do teatro.
O bolsonarismo não surgiu do nada, assim como o lulismo não é exceção à regra: são frutos do mesmo solo cansado de democracia capenga e educação negligenciada. Como já dizia Sérgio Buarque de Holanda, somos cordiais demais com os poderosos e duros demais com os frágeis. Nos acostumamos a ver a mentira como estratégia, o cinismo como retórica e a omissão como método de sobrevivência.
Enquanto isso, professores são desvalorizados, artistas são perseguidos, e livros viram inimigos — não por seu conteúdo, mas por sua existência. A política virou ringue de gladiadores digitais, onde vencer importa mais que compreender. E a sociedade, anestesiada, se entretém com o caos.
A responsabilidade, nesse contexto, é radical demais para ser praticada. Exige consciência, esforço e, acima de tudo, vontade — três coisas que raramente se alinham por aqui. Preferimos as fórmulas mágicas, os salvadores da pátria, os atalhos morais. O Brasil, afinal, continua sendo o país do futuro — mas com um calendário sempre em branco.

