Foto: Diego Grandi
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O Brasil está passando por um downsizing político — não no sentido empresarial, mas como um esvaziamento brutal das ideias políticas.

Não se trata de uma crise de partidos ou uma mera polarização entre esquerda e direita. Trata-se de algo mais profundo: a erosão das ideias que deveriam fundamentar essas posições. O debate político brasileiro vem sendo reduzido a slogans, memes e histeria moral. Em vez de divergências construtivas sobre o país que queremos, assistimos a uma guerra tribal onde pensar se tornou quase uma traição à própria “bolha”. Vivemos um vácuo ideológico camuflado de engajamento. À direita, o liberalismo econômico foi sequestrado por um discurso de moralismo ressentido, onde a pauta se reduz à cultura do “contra” — contra o comunismo imaginário, contra o “politicamente correto”, contra qualquer crítica ao mercado. À esquerda, por sua vez, a defesa de pautas identitárias muitas vezes se sobrepõe à crítica estrutural do capitalismo, abandonando o velho debate sobre desigualdade em favor de uma gramática do ressentimento que, embora legítima, desmobiliza projetos políticos mais amplos.

O filósofo Byung-Chul Han chama atenção para a “sociedade do cansaço”, onde os sujeitos estão tão ocupados consigo mesmos que não conseguem mais construir laços sociais ou coletivos. Isso se reflete no campo político: o narcisismo digital substituiu o engajamento democrático, e a política virou palco de autoafirmação e performances moralistas. Em vez de pensar o Estado, discute-se o que irrita ou satisfaz bolhas específicas. O cientista político Marcos Nobre já apontava, em Imobilismo em Movimento, que o sistema político brasileiro opera como uma engrenagem que neutraliza mudanças reais.

A isso se soma um fenômeno mais recente: a incapacidade da sociedade civil de articular projetos coletivos robustos, seja à direita ou à esquerda. A direita abandonou a produção de pensamento conservador sério — como aquele que existia em nomes como Roberto Campos ou, em outro tom, Alceu Amoroso Lima — e mergulhou num anti-intelectualismo militante.

A esquerda, por sua vez, parece perdida entre o saudosismo petista e a fragmentação de pautas, muitas vezes incapaz de dialogar com as classes populares que historicamente dizia representar. No fundo, estamos diante de um empobrecimento da imaginação política.

O historiador Tony Judt advertia que uma sociedade que deixa de pensar alternativas se condena ao colapso moral e institucional. No Brasil, esse colapso está em curso. As universidades — tradicionalmente espaços de debate — estão acuadas entre cortes orçamentários e guerras culturais.

 A imprensa, em vez de tensionar o debate público, muitas vezes se rende ao sensacionalismo polarizado. A política se transformou em marketing identitário. É preciso dizer sem meias palavras: não há mais direita nem esquerda no Brasil — há apenas torcida organizada e ressentimento mal elaborado.

Não se trata de negar as diferenças legítimas entre visões de mundo, mas de denunciar a redução brutal do pensamento político a reações emocionais, memes e frases de efeito. Um país de dimensões continentais, com desigualdades históricas profundas, colapsos ambientais e desafios tecnológicos gigantescos, precisa urgentemente de ideias — e não de identidades políticas vazias. O downsizing político brasileiro é, em última instância, um suicídio democrático lento e espetacular. Enquanto continuarmos trocando ideias por gritos e projetos por influenciadores, estaremos condenados a repetir os mesmos erros — apenas com hashtags diferentes.

Downsizing* – Reduções de pessoal” ou “cortes de funcionários” Também pode ser traduzido como: “Reestruturações” “Demissões em massa” “Enxugamento” (em um contexto mais informal ou geral)

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