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Há um tempo que não cabe no relógio. Um tempo que pulsa em cada corpo, em cada gesto, em cada nome sussurrado pela história. Esse tempo é o da ancestralidade,  chama que não se apaga, mesmo quando o vento do esquecimento sopra forte. É ele que nos convida a olhar para trás sem nostalgia e para frente sem medo, a compreender que educar também é lembrar. É reconhecer que somos feitos de vozes que resistiram, de passos que abriram veredas, de mãos que acenderam o fogo do saber e o mantiveram vivo para que hoje pudéssemos ver o caminho.
A proposta aqui é compreender o sentido da caminhada: reconhecer que cada passo é faísca de uma chama antiga, herdada e reinventada. O fogo que nasce do encontro e do atrito não destrói, mas revela, educa e clareia as estradas por onde nossa consciência aprende a caminhar.


Que essa chama, ao arder em nós, não seja apenas clarão de um instante, mas fogo que educa, aquece e transforma. Que ela ilumine as salas de aula, os pátios, os livros, os olhos das crianças e dos professores. Porque é na educação que a brasa da consciência se mantém acesa. É no diálogo, no reconhecimento, na escuta do outro que nos revela. Queimar o preconceito é obra de paciência e coragem: é aprender a ver no rosto do outro o reflexo da própria humanidade.


E quando essa chama toca o chão, ela se transforma em caminhos, os mesmos caminhos que guardam os passos de Dandara e Zumbi, que fizeram da liberdade o chão e o céu de suas existências. Dandara, mulher de luta e de ternura, guerreira do Quilombo dos Palmares, ergueu sua voz contra o silêncio imposto, enfrentou as correntes e escolheu morrer livre a viver submissa. Zumbi, nascido em Palmares, aprendeu as letras e os ritos, os cantos e as armas, e fez da resistência um gesto de amor por seu povo.
Que nas trilhas abertas por suas resistências possamos sentir o sopro da dignidade que se recusa a apagar. Porque cada gesto de luta, cada sussurro de coragem, cada sonho não silenciado, é também uma lição que a escola precisa contar. E quando Dandara e Zumbi entram pelas portas das salas de aula, não vêm como sombras do passado, mas como presenças vivas que nos ensinam a erguer o olhar e reacender a esperança de um amanhã sem correntes, sem muros, sem medo.


Sou mulher branca, e escrevo com o respeito de quem sabe que há dores que não me atravessam na pele, mas me atravessam na humanidade. Caminho com o cuidado de quem aprende, de quem deseja somar passos sem roubar vozes. Que a minha palavra, ainda que nascida de outro lugar, possa se fazer ponte e não muro. Que ela se curve diante da força de quem resistiu e continua resistindo. Porque a chama ancestral não pertence a um só corpo: ela se espalha, se multiplica e convida todos nós a manter o fogo aceso, um fogo que não queima o outro, mas ilumina o caminho comum da liberdade.

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