Como podemos validar saberes ancestrais, dos quais temos relatos de melhoras em diferentes âmbitos da vida como indivíduo sendo: Saúde mental, saúde física, melhora na qualidade de vida, aprendizados sobre identidade, família, relações pessoais. A ciência não explicaria esses saberes? Ou eles foram anulados durante os anos, de forma que para chegarmos até tais saberes, muitos deles foram apagados de povos que tiveram suas identidades excluídas de si. Tribos, cultos religiosos, medicamentos naturais, práticas ancestrais, são conjuntos de táticas passadas de gerações em gerações, mas que nem todos nós podemos ter acesso.
Através do que apelidamos de “Antropologia da magia” — termo que aprendi com Ricardo Moura, professor de Antropologia e comunicação na UFRJ, que fala bastante sobre a “Epistemologia da Magia”, iremos fazer uma análise do valor desses saberes, e por quais motivos muitos deles foram apagados, e como podemos mantê-los vivos nas próximas gerações.
A abordagem deste tema foi construída por duas autoras, estudantes de Jornalismo, como parte da entrega da disciplina lecionada por Ricardo Moura — autor da tese que inspira e fundamenta o tema aqui trabalhado e, por sorte, nosso professor de Antropologia e Comunicação na UFRJ.
IDENTIDADE: Como reconstruir o que foi apagado?
Jamais poderíamos resumir toda a história, ancestralidade e saberes desses povos em poucos tópicos, sabemos que teríamos centenas, ou talvez milhares de possibilidades, então iniciarei pelo início, toda jornada tem seu ponto de partida. E como falar sobre magia e ritualística de povos que foram impedidos de conhecer sua própria origem? O único primeiro tema possível é: Identidade.
Os saberes os quais aqui destrinchamos, vem de povos que tiveram suas identidades apagadas, ou seja, uma pessoa parda, poucas vezes tem acesso a sua real identidade, de onde seus ancestrais vieram, tampouco iriam saber os rituais que esse povo tinha naquela época, então o primeiro tema sobre a – Antropologia da magia – não se trata de rituais, ou práticas, se trata primeiro da identidade do indivíduo, ou nesse caso, a busca pela identidade. Indo para o lado “magia”, como um ser conseguiria entender sua magia, quando nem sabe quem são? Quando não sabe de onde veio seu povo?
Busca pela identidade
Primeiramente, quando nós, como pretos, pardos, indígenas, quaisquer grupos que nasceram no Brasil, temos interesse em descobrir de onde vieram os povos que nos originaram, isso já gera um maior alerta, para que finalmente tenhamos mais estudos sobre quem somos.
Porque é tão comum vermos pessoas do sul, ou descendentes de italianos tendo orgulho de chamar a avó de “nonna” enquanto existe outro povo (que inclusive compõem a maior parte da população brasileira) não sabe nem de onde veio?
Para abordar esse tema, irei me aprofundar no texto de Ricardo Zorzetto (2007), “A África dos genes do povo brasileiro: Análise de DNA revela regiões que mais alimentaram o tráfico de escravos para o país”.
“Os resultados confirmaram que foram três as regiões da África – a Oeste, a Centro-Oeste e a Sudeste – que mais exportaram mão-de-obra africana para o país até 1850 […] A genética apenas corrobora as informações históricas […] Já se sabia que o Brasil foi um dos poucos países das Américas a receber africanos de todas as origens.”
“A novidade é o envolvimento maior no tráfico negreiro da África Ocidental […] região de onde vieram povos como os iorubás, os jejes e os malês, que exerceram forte influência social e cultural no Nordeste brasileiro, em especial na Bahia.”
Ou seja, através de uma pequena citação dos poucos estudos que temos, descobrimos que: uma pessoa nascida no Nordeste — especialmente na Bahia — ou seus ascendentes, têm mais chance de descender de povos iorubás, jejes e malês. Isso já oferece a possibilidade de reconstruir algum laço, mesmo que mínimo, com sua identidade.
No entanto, o texto mostra que a história da formação do povo brasileiro é muito mais complexa do que uma linha direta de origem. O tráfico negreiro foi um processo que se estendeu por mais de três séculos e envolveu diversas regiões da África. Por isso, o que chamamos de “povo negro brasileiro” é, na verdade, um mosaico de identidades, culturas e etnias diferentes — apagadas pela violência da escravidão e pela ausência de registro.
A genética entra como uma ferramenta que tenta reconstruir aquilo que foi silenciado. Os estudos de Sérgio Danilo Pena e Maria Cátira Bortolini, por exemplo, revelam que:
- o Brasil recebeu africanos de todas as regiões do continente;
- a participação da África Ocidental (Senegal à Nigéria) foi bem maior do que se imaginava;
- O Sudeste, o Nordeste e o Sul do Brasil receberam proporções diferentes desses povos, criando formações culturais distintas.
Isso explica, por exemplo, por que São Paulo concentra uma quantidade surpreendente de descendentes de povos do Oeste africano, mesmo estando longe da Bahia, que sempre foi considerada o principal polo iorubá. A razão disso tem a ver com deslocamentos internos durante a decadência dos engenhos de açúcar e o crescimento das plantações de café.
Outro ponto fundamental que a genética evidencia é a assimetria sexual da escravidão:
- a maioria da contribuição africana nos brasileiros aparece pelo lado materno;
- já o lado paterno, muitas vezes, é europeu — resultado direto da violência sexual praticada contra mulheres negras.
Essa realidade biológica confirma o que pensadores como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda já apontavam: o Brasil foi formado sob relações de poder profundamente desiguais, marcadas pela violência e pela imposição.
Ao olhar para esses dados, percebemos que buscar nossa origem não é apenas uma curiosidade histórica, ou muito menos sobre a magia que aqui abordamos — é um ato político e afetivo. É tentar montar um quebra-cabeça cujas peças foram propositalmente destruídas, para finalmente poder usufruir da magia de saber se quem é, qual a sua identidade.
As entidades na Umbanda
As entidades têm a função de guiar, ajudar e questionar, se necessário, os praticantes da religião. Durante a gira, entidades podem trazer conforto e consolo, mas também muito questionamento sobre a vida do indivíduo. Trabalhos como colocar nomes em copos com águas e ervas, nomes em papéis dobrados nas guias, riscar pontos, todos esses trabalhos são exemplos de como as entidades atuam no auxílio dos seus pacientes. Podemos comparar o trabalho de uma entidade com o de um psicólogo, deixando claro que eles nunca substituem o mesmo, pois o que está na Terra existe para nos auxiliar da mesma maneira que o espiritual auxilia, sem um sobressair sobre o outro. Alguns espíritos oferecem guias de proteção aos que vão buscar consolo. Lá dentro todos são bem-vindos, do assassino até a pessoa que nunca cometeu crime algum. A Umbanda é para todos e as entidades fazem o possível para auxiliar, respeitando o livre-arbítrio de cada ser humano.
Essas entidades são divididas em algumas linhas de trabalho:
- Caboclos: espíritos de índios que representam a força e a sabedoria das matas. São conhecidos por sua energia de cura e orientação espiritual.
- Pretos-velhos: espíritos de antigos escravizados, simbolizam a paciência, a humildade e a sabedoria ancestral. Costumam dar conselhos e ajudar na resolução de problemas.
- Crianças (Erês): espíritos infantis que representam a pureza e a alegria. São conhecidos por sua leveza e simplicidade ao lidar com questões espirituais.
- Exus: entidades que atuam na linha da justiça e da comunicação entre os mundos material e espiritual. São frequentemente mal interpretados, mas têm um papel fundamental na proteção e equilíbrio das energias.
Muitas entidades aparecem em sonhos, riscando pontos, dando recados espirituais ou oferecendo auxílio. Uma entidade cumpre o papel responsável de não interferir no livre-arbítrio, mas auxiliar no que for necessário para a caminhada de seu protegido ou protegida. Ser umbandista é ter a consciência de que a responsabilidade é sua. Não há responsabilidade em nada além de si mesmo, suas escolhas e seus caminhos. O caminho é único. Por isso, fiz a comparação com uma sessão de terapia, pois a premissa é semelhante. O(a) psicólogo(a) te dá o que é necessário para o alívio das dores da vida, mas a responsabilidade da mudança é sua. Não é diferente numa consulta com um Caboclo, por exemplo. A responsabilidade permanece sua. Independente do que você faça, a entidade estará lá para te apoiar e guiar, dando o caminho, mas não caminhando por você.

